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Crítica: Jogos Vorazes, Divergente e a fórmula das distopias adolescentes

“Distopia” é o contrário de “Utopia”.

A utopia usa da ficção para criar um modelo social pleno e perfeito. São livros utópicos “A República” (de Platão) e “O Príncipe” (de Maquiavel), por exemplo. Com o passar dos anos, entretanto, as ideias de sociedades utópicas perderam gradualmente a força e a voz, dando espaço a um tipo de literatura que condizia melhor com as previsões sociais do início do século XX.

As distopias descartam o modelo de sociedade perfeita. Na literatura distópica, são apresentadas com frequência comunidades sob um regime totalitário que torna seus membros alienados e propensos a obedecer regras de um Estado corrupto e controlador. São livros distópicos “Admirável Mundo Novo” (de Huxley) e “1984” (de George Orwell), por exemplo.


A indústria literária foi esperta ao acompanhar a evolução das discussões políticas entre adolescentes. As fagulhas de uma suposta “revolução” resultaram numa bomba de lançamentos young-adult (jovens adultos) que retratavam sociedades distópicas.

"Jogos Vorazes" (de Suzanne Collins), "Divergente" (de Veronica Roth) e "Maze Runner" (de James Dashner), são apenas alguns exemplos de séries distópicas de sucesso voltadas ao público adolescente.


Mas por que, afinal, a indústria literária e cinematográfica tem faturado tanto com histórias distópicas adolescentes? Existe uma fórmula por trás do fascínio destes jovens adultos? Do ponto de vista crítico, isso é bom ou ruim?

Podemos usar Jogos Vorazes e Divergente como uma base para tentar responder essas questões.


A Fórmula das Distopias Adolescentes

Os livros são sequências: A maioria esmagadoras de livros distópicos young-adult são trilogias ou séries. O primeiro livro apresenta o modelo de sociedade desenvolvido pelo autor, o personagem principal e os personagens secundários e, próximo ao fim, um gancho para o segundo livro. Os outros dois livros desenvolvem tramas entre os personagens, mostram romances ou triângulos amorosos e dão reviravoltas que não necessariamente acrescentam algo à história.

Algumas séries poderiam ser resumidas num só livro. A trilogia Jogos Vorazes, por exemplo, apresenta a sociedade e a trama principal no primeiro livro e decai horrivelmente nos próximos dois. Em Divergente os dois primeiros livros são bons, e a queda da qualidade ocorre no terceiro.

A tática das séries consiste em criar leitores e fãs fiéis, que acompanharão os lançamentos de livros e filmes e com certeza os comprarão. Não é à toa que o gênero “young-adult” é um dos mais vendidos em livrarias atualmente.


O personagem principal evolui ao longo do livro: O personagem é apresentado como alguém possivelmente fraco, humilde ou desprezado pela comunidade que habita. No decorrer da história, ele se torna um líder revolucionário que apresenta algum perigo para o Estado. É a chamada “jornada do herói”.


O herói é adolescente: O herói possui uma média de 16 anos de idade. No Brasil, aos 16 anos, o adolescente ganha o direito de votar. Nos Estados Unidos, ele já pode dirigir. É a idade onde o jovem passa a adquirir independência e tornar-se adulto. Isso permite que o leitor se identifique com o personagem.

O herói não se encaixa no modelo social: Em Divergente e Jogos Vorazes, as sociedades são divididas em facções. As personagens principais sentem que não se encaixam naqueles grupos ou naquele modelo de comunidade. Esse é mais um gancho que permite que os adolescentes que não se sentem parte de um “grupo” (a grande maioria) se identifiquem com o herói, crendo que são diferenciais na sociedade e, portanto, perigosos para o sistema.


Há um romance ou triângulo amoroso: Todas ou a esmagadora maioria das séries distópicas adolescentes contam com um romance ou um triangulo amoroso que possui suas próprias tramas e desenrolares ao longo do enredo. Isso prolonga a história, aumentando o número de livros, e atrai a atenção dos adolescentes, que geralmente torcem para um ou outro casal.


O final não tende a ser feliz: Como é típico das distopias. Os finais tristes das séries, tidos como “revolucionários”, são na verdade comuns nesse tipo de literatura. A história tende a ser triste e pontiaguda. Não é revolucionário terminar uma distopia de forma trágica.


O Problema na Fórmula

Apesar da positividade no reconhecimento da literatura por públicos cada vez mais jovens, há problemas sérios nas entrelinhas dessas séries famosas. Não pelos livros em si, mas pelo faturamento forçado dos autores e editoras responsáveis.


Quando a mídia e o mercado oferecem livros padronizados e claramente formulados para atrair adolescentes, o público jovem deixa de lado o que deu base às suas trilogias mais queridas.

Em Divergente, por exemplo, o que se passa ao fundo poderia ser adquirido através d’A Revolução dos Bichos, de Orwell. A história da sociedade que se rebela contra o governo, definindo um líder que futuramente se torna “mau” e organiza as coisas ao seu favor.

Em Jogos Vorazes, vemos muitas referências de 1984, também de Orwell, que retrata uma sociedade completamente controlada e assistida pelo Estado.


Por que não trocar três livros padronizados e que possuem o faturamento como objetivo por um livro com a mesma trama, que poderá provocar reflexões mais profundas e menos iguais? São histórias com enredos extremamente parecidos – e até iguais – aos enredos das distopias clássicas, que os adolescentes em geral não leem por falta de estímulo.


Os jovens tem caído na pegadinha de que livros clássicos e referências literárias são difíceis demais para eles. A violência da distopia clássica, vendida como algo complicado de ler, é na verdade o ponto mais positivo do gênero. Os livros clássicos são muito acessíveis e podem ser encontrados em bibliotecas de escolas e universidades – por que o público jovem não testa alguns capítulos?


O adolescente é cada vez mais conduzido a alimentar um mercado literário e cinematográfico que transmuta histórias originais para vende-las e torna-las rentáveis.


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