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Onde Vivem os Monstros e a monstruosidade do auto-conhecimento

Onde Vivem os Monstros é um filme de Spike Jonze baseado no livro homônimo de Maurice Sendak. A adaptação conta a história de Max, um menino de aproximadamente nove anos de idade que vive com a mãe e a irmã em um típico subúrbio americano. Alguns traços de sua personalidade - a criatividade, a curiosidade e a impulsividade – ficam claros nos primeiros minutos do filme, quando o garoto faz malcriações, morde a mãe e foge de casa. Max corre até encontrar um pequeno barco parado à margem de um lago, o adentra e viaja até uma ilha habitada por criaturas grandes e monstruosas. Para não ser devorado pelos monstros, o menino usa suas habilidades criativas para inventar uma história e se torna rei das criaturas. Nos próximos dias, Max tenta reformular o modo de vida dos monstros para mantê-los felizes e unidos.



Para compreender as significações do livro e seguidamente do filme, é preciso levar em conta que o autor da obra literária, Maurice Sendak, era filho de judeus que sofriam perseguição nazista. Quando criança, o escritor não entendia o desespero dos parentes e enxergava apenas “suas caras de malucos selvagens”. Os monstros foram, então, baseados em seus tios, avós e primos – uma representação das emoções sob o olhar de uma criança.


Os personagens monstros são representações grandes, perigosas e muitas vezes impulsivas de signos existentes no mundo real de Max que, se não souber como lidar com as criaturas, acaba devorado por elas. O personagem se vê tendo de lidar com características de familiares e, ainda, características próprias. É o conflito da auto compreensão vs. a compreensão do mundo externo.

O monstro Carol é a representação da própria criança, que conversa consigo e observa a si mesma levando em consideração as atitudes dos demais monstros perante à agressividade e descontrole de seu alter ego.


Quando conflitos mais pesados e perigosos começam a acontecer na ilha, Max revela discretamente sua verdadeira identidade e se auto reconhece como um menino – não mais um rei –, tornando-se consciente da própria fragilidade e da impossibilidade de comandar o mundo por si só. Carol não fica contente com a mentira do garoto e o persegue, frustrado com a inexistência de um mundo “perfeito” para ambos. A perseguição e raiva de Carol mais o desespero e a fuga de Max podem ser compreendidos como uma batalha interna – o Eu confrontando o próprio Eu, a decepção que o despertar para a realidade causa e a fuga para não ser devorado por ela.


Onde Vivem os Monstros se trata do confronto mental que gera a auto consciência. Da brutalidade com a qual as emoções se locomovem pela mente. Da corrida para não ser devorado pelo que nos enraivece, frustra e decepciona.

O filme apresenta a criança como uma forma de demonstrar a incessante busca pela associação do real com a linguagem. A criança, que começa a compreender a realidade, a apresenta de modo que convém com seus conhecimentos prévios e impulsos emocionais. A criança vem a ser, na verdade, o adulto que assiste à obra.


Spike Jonze convida o telespectador a conhecer seus monstros, fazer as pazes com eles. Reconhecer a criança que fomos, somos e seremos eternamente.

 

O filme está disponível na Netflix.


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